Oitenta mil réis. Durante o século 19, no Paraná, esse valor poderia ser usado para comprar, por exemplo: 8 vacas; 16 bezerros; 5 espelhos de grife; uma casa de capim com monjolo e mangueira. Ou quem sabe, 3 relógios, ou 20 caixas de foguetes para festejos. Nessa época, com esse mesmo valor, era possível comprar a liberdade de um escravo, no Paraná.
Até o dia 23 desse mês, o Instituto Histórico e Geográfico de Guarapuava (IHG) está realizando uma exposição que traz informações como essas de maneira ilustrada, com imagens e objetos reais que exemplificam a história. O objetivo é facilitar e promover um entendimento ainda mais claro sobre os acontecimentos.
PESQUISA – A obra é resultado de um estudo realizado durante dois anos pelo pesquisador guarapuavano e integrante da diretoria do IHG, Rafael Edling.
“Inicialmente, a pesquisa pode chocar um pouco por trazer esse aspecto de comparação, em que você vê quantos porcos você conseguiria comprar, ou quantos porcos você utilizaria para comprar uma criança. Quantas panelas você usaria para comprar a mesma criança. Essa é aquela perspectiva talvez mais impactante, mas o nosso viés não é apenas focar nesse ponto de vista triste da história, mas trazer também como perspectiva. Como a luta daquela mulher negra acabou permitindo que suas descendentes fossem mulheres livres, fortes. É um pouco disso que trazemos nessa exposição também. A equivalência é o cálculo matemático mesmo. Dentro dos inventários eles colocam: “foi avaliada uma vaca pelo preço de tantos réis. Então, só fazendo essa matemática foi feita essa aproximação. O preço de todos esses produtos que estão aqui foi ainda uma seleção. Tenho mais de 300 catalogados, que eram itens do cotidiano. Foi a ideia de trazer aquilo que estava à disposição do paranaense.”, explica o pesquisador.

Foto: William Batista/ Rádio Cultura
EUFRÁSIA: NOME QUE INSPIROU A OBRA – A pesquisa surgiu após uma inquietação do pesquisador em conhecer mais da história de uma mulher negra chamada “Eufrásia”, a qual ele descobriu que faz parte de sua árvore genealógica por parte de mãe.
“A Eufrásia é minha “tataratataravó” (diz em tom descontraído, sem saber exatamente qual é o seu parentesco com a personagem). A informação com o nome dela “Eufrásia, liberta, de Castro”, era tudo que eu tinha. Dentro da pesquisa genealógica, que é uma das coisas que fazemos no Instituto Histórico, consegui localizar esses ancestrais, um pouco mais da história dela. Como advogado, já tinha acesso a alguns processos judiciais, inventário do século 19, com os quais estudava propriedade de terras. Meu objetivo inicial era apenas entender como foi a distribuição das fazendas, e no fim, acabei encontrando esse acervo de dados que deu para dar essa noção do que valia uma vida no século 19″, diz o pesquisador de pele branca, que se orgulha em contar que tem Eufrásia em seu parentesco.
Conforme a pesquisa, Eufrásia nasceu em Castro. Aos 6 anos de idade, foi concedida a liberdade a ela. Mas para compensar o que na época foi considerado como um prejuízo por sua desapropriação, a criança foi obrigada a prestar serviços durante vinte anos após o falecimento de sua senhora. Somente em 1858, aos 26 anos de idade, Eufrásia enfim se torna livre. Ela se muda para onde hoje é Guarapuava, com suas duas filhas. Eufrásia morreu aos 84 anos, em 1916.
“Quando ela morre, mesmo tendo nascido em Castro – na época Guarapuava pertencia a Castro – na certidão de óbito dela está registrado como “Eufrásia Africana”. Então, muito possivelmente ou ela tinha a pele muito retinta ou mantinha muito a cultura africana, dos seus ancestrais. Nós vemos que houve um apagamento dela dentro da própria família, em que os netos às vezes tinham a informação que vinha dos pais, quando para não dizerem que eram descendentes da mulher negra preferiam dizer que eram de bugres, de indígenas, termos que usavam”, diz.
EXPOSIÇÃO – A exposição intitulada como “Eufrásia e seus 80 mil réis”, é realizada na sede do IHG, no centro de Guarapuava. No local, foi montado um cenário parecido com um túnel, onde o visitante consegue visualizar os desenhos de animais, produtos e objetos comercializados na época, com as informações das quantidades de cada um deles, de acordo com o valor de 80 mil réis. Há também objetos reais que ajudam a mergulhar ainda mais na história, como foices e pedaços de tecidos muito usados na época.
“A ideia é justamente conduzir, trazer o visitante para o ano de 1853, que é o ano que essa criança foi avaliada”, ressalta o pesquisador.

Foto: William Batista/ Rádio Cultura
QUANDO VISITAR? – O IHG está localizado na Rua Senador Pinheiro Machado, 1827, no centro de Guarapuava. O atendimento no local é de segunda à sexta, das 14h às 18h. Aos sábados, das 8h às 12h. Mas é possível fazer o agendamento para visitações em grupos em outros horários. O contato é por telefone, que funciona também como WhatsApp: (42) 9 9923-3157. A visita é gratuíta. A exposição segue até o dia 23 desse mês.
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